Escrevendo

Croniqué
O PNEU
[Collares, Edimilson]

As crianças inventam brincadeiras com materiais diversos e muitas vezes não se dão conta que essa atitude pode ser de alguma forma perigosa. Todavia, quem pode cercear a criatividade das crianças não é verdade?
Bem, como pode um pneu de caminhão usado servir de brinquedo para um grupo de crianças beirando a adolescência?
Ah! Mas sempre existe como falei acima, a engenhosidade para extrair de um pneu uma brincadeira.
Hoje quando uma criança é molestada por outras chamamos de buliyng, coisa da modernidade? Não são avanços sociais do comportamento que geram trauma na vida. Mais ou menos isso.
Naquele tempo era normal, o menos experto do grupo ser usado como uma espécie de teste para ver se o brinquedo funciona.
Reuniu se o grupo de três ou quatro moleques levando o pneu ladeira acima. Poderia dizer que da nascente até o ponto mais elevado do aclive distava mais ou menos duzentos e cinquenta metros.
Mas para que levar um pneu pesado daquele até o alto da “lomba?” Certamente iriam soltar o pneu lá de cima para vê-lo descer em velocidade até atingir as águas da nascente lá em baixo.
Que nada. Estavam escolhendo um piloto que desceria ladeira abaixo dentro do pneu. Não é difícil imaginar que o mais ingênuo ou metido se voluntaria para experimentar aquela novidade. Eu disse que crianças não medem as consequências do perigo das brincadeiras.
Tendo o piloto, se posso assim dizer se prontificado, se alojou dentro do circulo interno do pneu. Já dava para se ter uma ideia do tamanho da criatura. Certificado que estava firma, seguro. Os demais empurraram o veículo pneumático ladeira abaixo que aos poucos ia ganhando velocidade. Era possível afirmar que no final do percurso já rodava a mais ou menos trinta quilômetros por hora, até desaparecer em meio ao tirirical que circundava a nascente.
A gurizada desceu a ladeira correndo para ver o resultado do “teste”. Todo sujo de lama vermelha e cambaleante devido à rotatividade do pneu, saiu o “piloto” que não conseguia se mantiver de pé.
Os outros, depois deste “teste”, mesmo tendo prometido ao piloto que experimentariam também, rindo, desistiram da brincadeira.

[História Verídica] - 06 nov 2018.




CANETA & PAPEL
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Quis me dizer qualquer coisa, então peguei a caneta que escreve estas palavras para tornar real a intenção. Não tenho um pensamento objetivo, apenas queria expressar algo que viesse primeiro à mente e assim fiz.
Mas se não viesse nada o que teria para escrever? Então pensei logo que não se é possível ficar um só segundo sem que estejamos pensando em alguma coisa e tal é tão rápido que na maioria das vezes, nem se quer prestamos a atenção no objeto que pensamos.
Então me surgiu um ditado popular: “a boca fala do que o coração está cheio”. Sabemos, pois, que coração é sentido figurado de sentimento e os sentimentos são produzidos na mente. Logo coração é sentimento, mas podemos pensar sem sentir? E opostamente: podemos sentir sem pensar? Creio que no segundo caso há de se refletir, pois neste caso primam os instintos que levam as sensações até a mente onde são processadas tornando-se um sentimento.
A dor de um tropeço literalmente. Não se pensou na possibilidade do fato acontecer, todavia o acidente causou dor e esta foi sentida instintivamente e somente depois interpretada pela mente ao observar o conjunto dos fatos.
Concluindo temos: Instintos, sensações e sentimento.
Finalizando estas linhas, isso é assunto para profissionais da área que não é o meu caso. Todavia voltando ao preâmbulo desse texto, apenas fui escrevendo o que pensava, sem o objetivo de desenvolver qualquer tratado. Essas palavras foram desenvolvidas conforme pensava neste momento.

[Edimilson Colares] [04/10/2018-02h25min]






Sentado de pernas cruzadas sobre a cadeira à sombra de um cinamomo, Edmundo Profeta, com a sua popular voz pausada apresentou uma narrativa um tanto exótica pelos caracteres da ação.
Ora, a caldeira de água já estava quase fumegante e a adaga afiada. Chamou Maria Rita e alguns ajudantes para buscar o dito cujo porco que iria transformar-se em alimento para família. Corria tudo tranquilo o fuçador gritava mais veio à força. Bem o resto já se imagina o que aconteceu. O bicho morreu... De repente após a retirada da adaga, o dito cujo que deveria estar mortinho da silva, se levanta e dispara em direção do potreiro. Bem não havia nem um cavalo, só vacas e novilhos, mas era chamado de potreiro. – Mas o quê sô!! O porco não morreu. Maria vai buscar a espingarda.
Edmundo com a espingarda, Maria com um machado, outro com um pedaço de pau, mais outro com um facão. Estava armada a caçada ao porco tornado dos mortos. Sim, porque Edmundo era prático carneador e porcos.
A correria naquele gramado chamava atenção, se houvesse mais alguém fora daquele mate o porco, para apenas observar. Edmundo, de mão a espingarda tendo o fugitivo na mira, fez fogo, Apolinário com o estampido assustou-se e caiu numa vala de água. O bicho pareceu ser alvejado porque deu um berro “quico”, atordoado foi na direção de Maria Rita que passando ao lado aplicou-lhe as costas do machado para acertar a cabeça, mas que acertou de raspão nos quadris do bicho que continuou a sua via cruces. Não queria ir para a panela de jeito maneira. Os outros dois se brigavam porque um havia acertado uma paulada nas pernas do que estava com o facão. Carregada à espingarda Edmundo fez fogo outra vez e alguém gritou “o demonho não morre”.
E assim varou aquela manhã que só terminou porque o porco cansou de correr e deus a sua vida para o bem de todos. Visto que a canseira por mais um bocado levaria, talvez mais alguém para além-vida, junto com o porco.

Por: Edimilson Colares



A maioria das pessoas, o que é de certa forma natural, desconhece o nome e a vida de pessoas que passaram por esta vida de forma simples, mas que em algum momento alguém se lembrou dela e colocou o nome de um logradouro, um bairro e, neste caso, este conto vem da pessoa que deu o nome ao Bairro Januária de Sombrio.
A grande família composta pelo casal, cinco filhos e três filhas, morava no alto do morro das furnas do Sombrio, do lado oeste. Sim lá de cima pela janela da sala, a pequena Januária contemplava a cor prateada da lagoa do Sombrio ao entardecer. À noite em torno da mesa, juntava-se a família e os escravos negros para a janta. Escravos? Não se sabe ao certo se já eram libertos. Todos vinham do litoral da província de São Pedro e juntamente com a família sentavam à mesa e partilhavam do de comer.
Enquanto as mulheres desciam para lavar a roupa, a pequena Januária com suas bonecas de pano rústico, costuradas à mão juntava-as a uma canoa de coqueiro, casca que protegia o cacho quando verde. Após amadurecer o coco, essa casca que se chamava canoa, secava e caia. Transformando em brinquedo.
Então a pequena Januária pegou uma boa canoa e nas margens rasas e límpidas da lagoa do Sombrio, colocou as suas bonecas dentro e brincava, até as mulheres voltarem com as roupas lavadas, subindo a íngreme subida para estendê-las lá em cima, onde o vento soprava agradavelmente com regularidade.
Quantas mais histórias ficaram perdidas no tempo? Felizes são aqueles que as guardaram e as colocaram no papel para que todos tenham a oportunidade de conhecê-las.

Por Edimilson Colares – Contada por Auta Collares.

Ah, aquele tempo. Os bancos debaixo das frondosas árvores e sobre a grama verde, era o local dos grandes contadores de histórias. Histórias vividas e estórias contadas naqueles assentos de tábuas rústicas, manufaturadas as serras a mão de dois homens. Mas não a chamavam de aparador? Sim o aparador. Amaciar a palha de milho, escolhida dentre as mais macias, feito com o polegar e a lâmina do canivete era um ritual. Até mesmo picar o fumo de corda, forte que até berne matava era uma ação automática, enquanto a prosa se desenrolava.
Dizia-se que certo dia o Danga foi ao mato procurar taquara para cortar e trazer para casa fazer balaio. Isso foi de tardinha. Era março e o dia estava ensolarado e quente. Entrando mata adentro, depois de boa caminhada achou o taquaral. Escolheu a dedo as mais maduras pegando o pesado facão que trazia junto à bainha de couro, passou a cortar as taquaras. Fez então o feixe, amarrou com cipó, colocando o pesado feixe sobre os ombros, Danga eu inicio a retirada para fora da mata. Apesar dos mosquitos e algumas mutucas que lhe incomodavam, tudo tranquilo.
Quando já no caminho, ladeado pela mata, sentia de vez por outra que o feixe ficava mais pesado. Olhando para trás,  acreditou que as taquaras que vinham de arrasto podiam estarem trancando em algum toco junto ao chão no caminho. Estranhou porque o fato começou a se repetir. Todavia seguidamente olhando para trás, nada via. Num desses momentos, largou o feixe e foi conferir. Não encontrou nada que pudesse justificar aquele peso.
Como havia bugres ainda na região, Danga pensou que estava sendo vítima de uma gaiatice, por isso nunca conseguia descobrir aquela constância de peso a mais no feixe.
Realmente havia um moleque silvícola que vinha desde que Danga saíra da mata acompanhando o percurso. De vez em quando ele pegava nas taquaras mais compridas e segurava forte. Quando o colono fazia jeito de olhar para trás, ele adentrava na mata se escondendo e ficava esperando Danga recomeçar o trabalho.
Quando num repente o colono conseguiu surpreender o moleque silvícola, a brincadeira acabou.
Por: Edimilson Colares



Livro

As folhas farfalhavam com o vento nas ramagens verdejantes da paisagem daquele parque solitário em um final de tarde.
No chão elas rolavam de um lado para o outro, como a driblar meus pés que por entre elas se moviam.

Do olhar altivo baixei-os de repente para assistir aquela movimentação das que no chão tocavam-me, como a chamar minha atenção.

Absorvido, não notava tão atentamente outras coisas e paisagens que passavam despercebidas ao longo do meu itinerário.

Afinal, sai de casa para dar uma volta no praça e era o que estava fazendo.

Não notei o tempo em que estava caminhando. Estava frio, mas o sobretudo preto e o meu chapéu da mesma cor contrastavam com o cachecol marrom. As mãos aos bolsos estavam aquecidas e protegidas do toque seco do vento que ressecava meus lábios sentidos.

Voltei a realidade cotidiana quando Raquel, vindo ao meu encontro disse - olá, tudo bem? - Sim, sim, respondi:  - Tudo está muito bom. Passamos de encontro.

Lá se ia Raquel caminhando entre as folhas movidas pelo vaco dos seus passo.

Olhei para trás e fiquei a lhe observar até que dobrasse a esquina. Depois voltei-me e continuei minha caminhada solo. 

Quem sabe outro dia eu a convido caminhar comigo.


Adentrei o café que se encontrava do outro lado da praça. Jandira, a garçonete, me atendeu com um sorriso largo, como era de seu costume. Não havia quem não se alegrasse com ela. Então pensei: Ah se todas as pessoas que nos atendessem fossem assim? Então me veio uma reflexão - Será que ela seria sempre assim, alegre, cortês, afável? Ou então gostava mesmo era de estar do outro lado do balcão atendendo a sua clientela. Embora sendo apenas uma garçonete, cumpria o seu horário de serviço com alegria. Isso é o que deixava transparecer cada vez que a via.


Sentei-me a mesa e pedi uma xícara de café com leite para espantar o frio.

Balduíno entrou logo em seguida, também pediu, uma xícara de café e tirando o seu chapéu de feltro, veio a sentar-se a minha mesa.

- Posso? É claro meu amigo, sinta-se a vontade.

Os lampiões da rua a frente começaram a ser acesos, pois que a bruma que antecedia à noite veio feito uma névoa pesada, após o vento ter silenciado as folhagens das árvores da praça.

- Alguma novidade?
- A única novidade boa é este café preparado por Jandira. No Sul as coisas parecem não ter jeito. Mesmo intervindo na guerra civil uruguaia ao vencer o ditador Anastásio Aguirre do partido  blanco e apoiar Fructuoso Rivera no governo da ex-província. O Imperador se vê agora em meio a uma situação complicada, pois um tal de Juan Antonio Lavalleja, conhecido por haver declarado a independência da província Cisplatina com o apoio dos chamados "Trinta e Três Orientais". Tem mantido a rivalidade entre os dois caudilhos, de onde surgiu os partidos no Uruguai: o Blanco, agrupando os correligionários de Lavalleja, e o Colorado, os partidários de Rivera .
A tensão entre o presidente uruguaio Rivera e seu rival Lavalleja atingiu o ápice quando o último se rebelou na tentativa de tomar o poder à força de Aguirre. O revoltoso descobriu que o ditador do país vizinho, Rosas, da Argentina, estaria interessado não apenas em ajudá-lo financeiramente, mas também militarmente. Pouco depois Lavalleja descobriu também, um novo aliado, desta vez em território brasileiro: o coronel Bento Gonçalves, militar brasileiro que iniciou a ajuda militar ao caudilho oriental a partir de 1832. O encarregado de negócios do Império do Brasil em Montevidéu, Manuel de Almeida Vasconcelos, recebeu, em setembro do mesmo ano uma denúncia de que Bento Gonçalves estaria a auxiliar Lavalleja. Em seguida Vasconcelos alertou o governo brasileiro de que o caudilho uruguaio se dirigia costumeiramente até à fronteira entre o Brasil e Uruguai para receber munições, homens, armas e víveres da parte de Bento Gonçalves. As intrigas chegam ao cúmulo de Rivera declarar que a intenção de Bento Gonçalves era unir as províncias do Rio Grande do Sul e o Uruguai à Argentina.
- Vejo que o amigo está bem informado das intrigas do Sul. Disso tudo, creio, que cada lado contará a sua história dos fatos. Toda via não creio que um coronel brasileiro faria tamanha tolice, Esse Rivera está jogando, só pode.

- Mas não podemos esquecer das astúcia de Lavalleja, também há comentário que ele esteve reunido com Solano Lopes com apoio de Rosas.- Amigo Balduíno, vamos degustar nosso café que está a esfriar. Esses problemas de separatismo e as forças gastas pelo império para manter o Brasil unido, vai custar muitas décadas de atraso para o desenvolvimento da nossa sociedade. Enquanto ficamos gastando milhares de réis para manter o império unido, outras nações do Norte empregam seus recursos na construção de longas estradas de ferro para levar o desenvolvimento a todos os cantos do país.
- Grande verdade. Sem contar que enquanto nos degladeamos por aqui, a manufatura bélica inglesa enche os bolsos com as nossas parcas reservas. Então fico a pensar cá com os meus botões: Se estivesse no lugar de Dom Pedro, de que maneira poderia sair dessa situação? Realmente é difícil! Sem contar com as pressões internas e externas. De um lado os abolicionistas internos e externos pedindo o fim da escravidão, de outro, o fazendeiros contrários, afirmando que não teriam fundos para pagar mão de obra assalariada. Sem contar com a crescente assecla republicana.
- O melhor mesmo é não aprofundarmos em conjecturas, apesar de ser necessária as avaliações, precisamos estar com os pés no chão e viver o nosso dia-a-dia, já que nem uma força temos para influenciar nesse embate. Risos. -   Mas me digas, quando retornas ao Sul?
- Trabalhar para Mauá não é fácil meu amigo, o homem tem uma máquina no cérebro. Quarta feira embarco para Porto Alegre.
- E você ainda continua nesta vidinha solitária de escriturário? Não queres vir comigo para o Rio Grande, lá temos movimento e trabalho?
- Trabalho tenho aqui, amigo Balduíno, e os movimentos do Rio Grande, vejo-os um tanto perigosos.
- Mas alguma coisa senhores? - perguntou-lhes Jandira com o habitual sorrido.
- Não, não. Desculpe-nos, a senhora já estava a fechar o estabelecimento, já estamos de saída. 
Balduíno pôs o chapéu e saíram a rua iluminada pelas claridades vindas dos lampeões. A névoa de omento para o outro desaparecera. Já havia poucas pessoas a perambular, excetuando as cantigas vindas do bares que ficavam até mais tarde aberto, onde os boêmios se reuniam e passavam longas horas a jogar conversa fora, beber e namorar.
- Veja Balduíno, enquanto alguns estão acampados nas estâncias sulinas, em precárias condições de conforto e com o coração dorido de saudades dos seus entes, aqui vemos o contrário. Quantos desses não estão com as esposas e filhos que de tanto esperarem pelo pai e o esposo, já se recolheram extenuados pegaram no sono? Enquanto lá no acampamento, ou na casa da família o sentimento do desejo do reencontro se lança apenas na esperança do fim da campanha.
- Verdade meu amigo. Esse nosso mundo e, principalmente, nós humanos somos uma incógnita quando tratamos das coisas do coração. Fico a pensar em quantas desculpas esses boêmios constroem para ludibriar os seus entes? 
Andaram dois quarteirões e se despediram.

Olhando agora para o céu límpido, observei o cintilar das estrelas. Voltei-me aos campos sulinos, aos acampamentos dos soldados, que certamente a estas horas estavam a descansar em volta das fogueiras e seguramente como eu estavam a contemplar as estrelas do céu. Os boêmios pouco se importavam com esses detalhes, entregues as paixões não poderiam dedicar tempo a não ser para complementar as prosas nos galanteios da conquista. Mas quem poderá entender as veredas do comportamento humano com precisão? Posso até observar que seria provável que alguns homens destacados no insulamento do Sul, se estivessem aqui, teriam os mesmo comportamentos dos boiemos que pré conceituo.
Minha pensão ficava mais perto de onde Balduino estava instalado. Depois de amanhã estará voltando para o Sul. Tinha um bom trabalho em uma das empresas do Conde de Mauá. Ambicioso, sempre alinhado e muito bem informado das coisas do império e até do exterior, com certeza teria um bom futuro. Eu pelo contrário, valorizava mais as coisas simples da vida, contudo detestava a escravatura, principalmente das aberrações dos castigos que os fazendeiros do café, lhes aplicavam. Qual fazenda não havia um tronco, um capataz furioso, feito um cão pesteado com a raiva, pronto para o massacre de suas vítimas. O pior que cão raivoso, era a maneira astuciosa que empregava o capataz o chicote a fazer os grilhões de ferro tornarem-se lavados a sangue?
Eu me perguntava: Que diabos tornava um homem comum tão embrutecido, a ponto de rilhar os dentes ao ser mandado atacar uma vítima indefesa, prostrada ao chão sem a perspectiva de qualquer ação, a não ser de gemer?
A repetição do ato, cria o costume e se a fera não domina o humano que há dentro do homem, o ódio de ter que fazer o que faz pelo medo também acaba impulsionando a covardia. Fico a pensar que deva haver tantos outros conceitos para isto. Só sei que para mim é uma situação do meu tempo que considero inaceitável. Conviver com isso é muito ruim.
Entrei na pensão e logo Dona Esmeraldina, veio ao meu encontro a me dizer que Afonso havia esperado até a pouco. Queria falar comigo. Todavia cansou de esperar e foi embora. Não deixou recado, apenas se foi.
Dirigi-me ao meu pequeno aposento sabendo o que queria o filho do fazendeiro Aquino. Os garranchos do rapaz lhe inibiam de escrever as cartas para Eulália, então me procurava para que ditando eu as escrevesse. Não podia deixar de fazer isso, pois o moço pagava, bem, mas aquelas cartas acabavam por delinear a fisionomia da pretendida, que pelo que constavam nas linhas que escrevia, deveria ser um moça aprumada e instruída. Acabava por vivenciar aquele romance onde parte dele passava pela ponta de minha pena.
Afonso confiava de certa forma em mim e por vezes trazia o semblante carregado, em alguns momentos parecia querer confidenciar alguma coisa sobre seu pai o que pude observar seu pai o tratava com certa severidade. 











FELIZ ANO NOVO
- Crônica -

            Não me encontrava bem, eu sabia. Fiz muita festa na minha vida, regada a muita bebida alcoólica cigarros... Bem, também havia outras coisas. Eram os excessos da juventude necessária para poder me enturmar. Como poderia fazer amigos, se todos estavam embriagados pelas aventuras da juventude? Se eu não os acompanhasse em seus costumes seria excluído do grupo e isso eu não queria.
Mas agora estou aqui neste leito de hospital, em plena noite de 31 de dezembro de 2013. Estou bastante cansado. Falta-me o ar... Tenho dificuldades e dores fortíssimas para respirar.
Nos momentos em que a lucidez me permite, observo o médico com semblante triste. O mesmo já havia observado com a enfermeira que de vez por outra vinha até o meu quarto verificar a regularidade do soro ou ministrar a injeção de morfina. Eu sabia que aqueles semblantes tristes pouco tinham haver comigo. É que eles teriam que passar o ano novo trabalhando. Escutávamos os estampidos dos fogos de artifícios que iam aumentando com a proximidade da meia noite.
Minha esposa, cansada, sentada próxima a minha cabeceira que estava bastante inclinada, para me facilitar a respiração, estava bastante abatida, e não era por menos. Estava entubado, com aquela parafernália enfiada em meu nariz. Comunicava-me com minha esposa somente com gestos. Mas escutava ela falar claramente, quando havia algum alívio.
A janela estava entreaberta no segundo piso, onde ficava meu quarto. Não era uma UTI. Ouvi a enfermeira falar que com o feriadão houve muitos acidentes graves e os hospitais estavam superlotados.
Quando estava se aproximando da meia noite, ouvi ao longe uma algazarra. Devia ser uma festa! Sim era. Cantavam:       “Adeus, ano velho!
                                               Feliz ano novo!
                                               Que tudo se realize no ano que vai nascer!
                                               Muito dinheiro no bolso, saúde prá dar e vender!”
Olhei de soslaio para minha esposa e vi lágrimas rolarem em seu rosto. O médico tinha acabado de chegar e foi logo aos meus pés. Recolheu a coberta e olhou. Eu já não maios os sentia, tal como os dedos da minha mão. Ele achou que eu não tinha visto, embora a dor fosse praticamente irresistível, notei o balouçar da cabeça dele para minha esposa. Começava o fim.
Talvez por nervosismo por ter observado aquele gesto, uma agonia foi oprimindo o meu peito. Que coisa horrível. Onde estão minhas pernas e braços?

A artilharia de fogos de artifícios se misturava com minha agonia. Sabia que iria morrer, mas a gente não quer e luta. Luta muito. Mas não adianta. O enfisema pulmonar já havia destruído tudo. Comecei a fazer uma força descomunal para respirar, mas o ar não vinha. Fui cansando, fui gemendo, enquanto lá fora os carros de som no último volume, algazarra, bebericagem, comilança e a cantarolia.
                                               “Adeus, ano velho!
                                               Feliz ano novo!
                                               Que tudo se realize no ano que vai nascer!
                                               Muito dinheiro no bolso, saúde prá dar e vender!”
Tentei desesperadamente respirar pela última vez, não deu. Uma dor horrível tomou conta do meu coração, meus sentidos se apagaram. Morri!             



Por Edimilson Colares




Teorias

Eu não sei, mas prefiro acreditar
Que existe em algum lugar
Algo mais que vejo e sinto.

Explicações, derivadas ilusões
Que buscamos sem saber
Para a nossa satisfação

Eu não sei, nem consigo entender
Como quem tem o poder
Aceita limitações

E sem saber, viajamos para o além
Conceituados por alguém
Que simplesmente imaginou

Não creio que a vida seja só isso
Nem aceito que o amor
Seja tão pouco

Aceitar teorias de alguém
Sem saber se o que ela tem
Tem haver com o que sinto

Pois para viver, tudo o que preciso é ser
Muitos vivem ser saber
E são mesmo mais felizes.

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Além de mim

Estou no mar
No cântico das gaivotas
Que bem baixinho voam
Sobre o balanço das ondas
A marulhar

Eu estou na criança
Que distraída brinca
Sem perceber o que existe
Na constituição humana

Eu estou no velho
Que cumpriu ou não
Sua missão
Descansa
Calmo e sereno
Na sabedoria de quem viveu 
Seu tempo

Eu estou em você
Que sente algo de profundo
Inexplicável por palavras
Que de um momento
Como o vento se vai.

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O Esmoleiro

Das ruas surges
Trôpego caminhar
Às vezes apressado
Outras devagar

Das ruas surges
Olhos esbugalhados
Triste é seu olhar
Corpo esquálido, macerado
sob trapos rasgados
Pelas ruas a esmolar

Nas rua pedes
De um a um
Repete o sacrifício
Mesma é sua expressão
Costumeiramente segue
Quase sempre ouve não

Nas rua pedes
Olhos repulsivos observam
Perfeitos cidadãos
Cristãos
Caridade, fraternidade
Também eles dizem não

E segues repetindo o mesmo refrão
Não pediste o que ganhaste
Porém iguais a ti todos serão
Restos pó no esquecimento
Eterna solidão.





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